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Secretaria de Município de Cultura

Poemas de Felippe D'Oliveira

 

Final

Resta um passado, _ o meu passado... Minha glória.
Não por mim, mas por ti , que nele existe...
Por ti que me povoas a memória
do coração, a memória do sentidos,
a memória imortal do pensamento,
com as mil estátuas dos meus gestos tristes
com meus olhos de pasmo, doloridos,
com tua voz de cântico e lamento,
écloga e litania do teu amor, que era
sobre a frialdade do meu precoce outono,
um hálito mormo de primavera.
... Resta o passado, céu de eterna claridade,
paraíso perdido, céu  divino,
onde a mando de mágoa e de  abandono
estacou, como sol da Bíblia, o meu destino...
... Resta o passado, que não foge e que não cansa...
... Resta a saudade,
mais fiel, menos triste que a esperança ...                                                     

Felippe D’Oliveira ( Alguns Poemas – 1923)

 

CICATRIZES NAS ÁRVORES

_ Não importa o que foi.
Não  importa o que será.
Fixa a imagem do teu instante
na superfície ou no coração da vida
e esquece o tempo.
Embora ao nascer contenha todo o teu universo,
A tua verdade desta hora
não corresponde à tua  verdade da hora
vindoura.

Ele fez uma pausa
e continuou:

Vive a tua hora
como se gravasses  o teu nome
na epiderme de um tronco novo.
Mas não voltes mais tarde para junto dessa
árvore,
porque podes não reconhecer o teu nome
nas cicatrizes das velhas letras.
Ele calou,com ar sublime dos que ainda
definem e aconselham
e eu não falei,
por achar inútil revelar-lhe
que a culpa é apenas da árvore.

1926 - Felippe D’Oliveira

 

Encruzamento de linhas

Núcleo de convergência no bojo da noite oval
Lanterna verde
(amêndoa fosforescente
dentro da casca carbonizada.)
Longitudinal, centrifugo,
o trem racha em duas metades
a espessura do escuro
e, cuspindo pela boca da chaminé
as estrelas inúteis à propulsão,
atira-se desnfreado
nos trilhos livres.
Mas se o maquinista fosse daltônico
a locomotiva teria parado

  (1926)  - Felippe D’Oliveira
 

Câmara lenta

Meus pensamentos estão dormindo.
A solidão verte luz no aquário
e dentro dela os meus pensamentos
que adormeceram adquirindo volume
têm a mobilidade aparente, a refração
de uma paisagem submarina
De repente,
uma carícia de antigamente
vai subindo
à tona da memória
e por toda a espessura da minha inércia se propaga
uma vibração de sino tangido no fundo
d’água
resolvendo o silêncio entorpecente da
minha Sodoma submersa,
por onde se arrasta,
flutuando,
flácido e elástico como um polvo,
o resíduo em recalque de uma
volúpia esquecida.

 (1927)  - Felippe D’Oliveira